EMÍLIA LEITÃO GUERRA
( Pernambuco –
Neste limiar do século XX para o XXI, os estudos de gênero têm deixado um saldo positivo: a audiência de vozes femininas – antes perdidas no silêncio de velhos papéis e agora resgatadas pelo interesse em compreender o lugar da mulher na cultura. Na Bahia, escritoras do século XIX e do início do século que ora se finda têm frequentado antologias e estudos acadêmicos. Paralelo a este resgate e, talvez, influenciado por ele, o escritor Guido Guerra, folheando o álbum de família, selecionou alguns poemas da avó paterna, Emília Leitão Guerra, poeta baiana nascida em Pernambuco, no dia 18 de novembro de 1883.Os sonetos e outras formas adotadas por Emília Leitão Guerra testemunham a conveniência de permitir a novos leitores o conhecimento de uma autora cujo universo poético ultrapassa as lembranças familiares e se inscreve no vasto e heterogêneo painel da poesia de inspiração romântico-parnasiano-simbolista. A autora começa a escrever e publicar num momento em que a modernidade literária contagiava a uns e a tradição saudosista imunizava a maioria.
(...)
Após a leitura de sonetos como este, presentes na obra da autora, não se pode deixar de ressaltar o ânimo ou o acendimento amoroso de uma voz que não se deixa sufocar de todo, em meio às exigências e convenções sociais predominantes. A placidez e a força de caráter, que se deixam transbordar de modo harmônico e bem resolvido nesta voz feminina, sugerem uma maturidade capaz de solucionar conflitos antigos e sempre atuais. Num momento em que a mulher continuava sendo identificada como o sexo frágil, por isso mesmo devedora de obediência e submissão ao marido; força, determinação e placidez fazem-se presentes na expressão poética de Emília Leitão Guerra, pondo em xeque crenças estabelecidas ou impostas.
(...)
Emília Leitão Guerra, filha de Emília Magalhães da Silva Porto e do comerciante português e Coronel da Guarda Nacional Brasileira José Martins Leitão, morreu aos oitenta e três anos, no dia 23 de novembro de 1966, deixando, além dos livros publicados, vários poemas dispersos nos arquivos da família.
Veja biografia completa em:
http://www.linguagens.ufba.br/textos_diversos/poesia_familiar.html
CAMPOS, Antonio; CORDEIRO, Claudia. PERNAMBUCO, TERRA DA POESIA - Um painel da poesia pernambucana dos séculos XVI ao XXI. Recife: IMC; Rio de Janeiro: Escrituras, 2005. 628 p.
Ex. bibl. Antonio Miranda
AMO-TE
Quando os teus olhos fitos e leio neles quanto
Sou amada por ti, meu doce e nobre amigo,
Minh´alma, do prazer, veste o purpúreo manto
Como te adoro então e como te bendigo!
E me deixo embalar no mar sereno e quieto
Dos castos ideais, dos pensamentos sãos,
Pois é tão puro e bom, tão calmo o nosso afeto
Que eu penso ver em ti algum dos meus irmãos.
Ponho os olhos nos teus e aí tu´alma,
Alma impoluta e boa, alma sincera e calma,
A sonhar, a sonhar, sempre a sonhar comigo...
de joelhos, então, ao Redentor do mundo
esta dita agradeço, em êxtase profundo,
Amo-te muito, muito, oh! meu sincero amigo.
(In: Escritoras brasileiras do século XIX, vol. II, p. 1059-1060)
SE EU PUDESSE VOAR
Se amor quisesse me emprestar as asas...
Se eu pudesse voar!...
Silêncio, coração! Em vão te abrasas
Nesse desejo que te faz chorar.
Ah! Não irás dizer a teu Amado
Todo o carinho de teu grande amor;
Nem a saudade que se traz vergado,
Nem desta ausência a cruciante dor.
Que vale acalentar uma quimera?
Que vale aos quatro ventos segredar?
Quem me dera umas asas, quem me dera?!
Asas não tens, não poderás voar.
Não poderás transpor o imenso espaço
Que te separa de teu doce Bem.
Hoje não cingirás em terno abraço
Esse que é só teu, de mais ninguém.
Sozinha e triste, a suspirar de mágoa.
Seu dia natalício hei de passar,
De fronte ao peito e de olhos rasos d´água...
Quem me dera voar!
Em vão! Em vão! Baldado o meu anseio!
Quisera rir e em prantos me desfaço,
Mesmo assim, meu Amor, te aperto ao seio,
Num carinhoso, num sincero abraço.
Da ausência o vero amor frustrou o intento;
O espaço não nos pode separar,
Estou contigo pelo pensamento,
Mesmo sem asas, mesmo sem voar.
(In Escritoras brasileiras do século XIX, vol. II, p. 1062-1063
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Página publicada em setembro de 2022
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